quinta-feira, 19 de junho de 2008

Para quê serve o jornalismo político?

A pergunta do título pode soar estranha.
Quem trabalha nessa editoria, no entanto, já deve ter se perguntando ao menos uma vez. Jornalista dessa área (incluindo este blogueiro) costuma passar a maior parte do tempo (para não dizer 'todo' o tempo) preocupado com fofocas, com bastidores, com intrigas, com especulações, enfim, com o chamado "jogo político".
As questões que, de fato, são de interesse público (e, portanto, do leitor) geralmente são marginalizadas.
Sem maniqueísmos: é claro que o leitor também não é inocente.
Quando um jornalista da área se aventura a fazer uma matéria de fundo - que investigue, por exemplo, todos os pontos de uma reforma tributária - a resposta do leitor não passa de um bocejo. Matérias assim dão muito trabalho e têm alto interesse público. E pouquíssima repercussão.
Essa justificativa é ótima. A razão de haver tantas matérias sobre intrigas do mundo político seria o desejo dele, leitor.
Também não é assim. Em outros assuntos, nem sempre o que o leitor deseja é o que se publica. É só observar o quanto a cobertura policial dos jornais foi reduzida ao mínimo, embora sempre tenha tido sucesso de público.
Fora os momentos de exceção (casos como Sílvia Calabresi e o casal Nardoni), a rotina da cobertura policial é nunca ser destaque na primeira página, por exemplo.
Jornalista da editoria de política tem hábitos estranhos. Costuma cantar vitória quando publica uma intriga que o concorrente não publicou. Faltando um ano (ou dois anos, ou três anos...) para a eleição seguinte, páginas e páginas são publicadas com especulações sobre quem será o candidato do partido x, da base y ou da coligação z.
O grau de acerto dessas previsões, no entanto, é tão alto quanto o das previsões de outra página do jornal, onde fica o horóscopo.
Jogo de pôquer
O relacionamento do jornalista com suas fontes na área política também não é bem resolvido. Há aqueles que se encantam com o poder (sim, isso ainda existe), outros que apostam em relações pouco republicanas e aqueles que só se preocupam com informações.
Os que se preocupam apenas com informações são, em tese, os mais bem preparados. Costumam trazer informações mais confiáveis ou, pelo menos, desvinculadas de interesses de terceiros.
Ainda assim, mesmo para esse último grupo, o trabalho não é dos mais gratos. Dos que buscam apenas informação, há duas subdivisões: 1) os que fazem perguntas e investigações que não contrariam as fontes; 2) os que fazem perguntas e investigações que exploram as contradições e erros das fontes.
Geralmente os repórteres que exploram as contradições e erros de suas fontes fazem o que se chama de bom jornalismo. São eles que 'salvam' a imagem da profissão. Tanto que os jornalistas desse grupo são os que se destacam. O resto não passa de baba-ovo.
A jornalista norte-americana Janet Malcolm, por exemplo, está entre as que exploram contradições das fontes. Mas ela faz uma autocrítica, como a destacada no início do livro O Jornalista e o Assassino (1991):
"Qualquer jornalista que não seja demasiado obtuso ou cheio de si para perceber o que está acontecendo sabe que o que ele faz é moralmente indefensável. Ele é uma espécie de confidente, que se nutre da vaidade, da ignorância ou da solidão das pessoas. Tal como a viúva confiante, que acorda um belo dia e descobre que aquele rapaz encantador e todas as suas economias sumiram, o indivíduo que consente em ser tema de um escrito não-ficcional aprende - quando o texto aparece publicado - a sua própria dura lição. Os jornalistas justificam a própria traição de várias maneiras, de acordo com o temperamento de cada um. Os mais pomposos falam em liberdade de expressão e do 'direito do público de saber'; os menos talentosos falam sobre arte; os mais decentes murmuram algo sobre ganhar a vida."
Malcolm vai no alvo. É difícil para um jornalista conseguir uma boa informação de sua fonte sem apostar em vaidade, ignorância ou solidão da fonte. Algumas vezes mais, outras vezes menos, estamos sempre 'traindo' quem entrevistamos.
Tudo bem, sem maniqueísmos: as fontes também apostam na vaidade, na ignorância ou na solidão do jornalista. E, muitas vezes, as fontes ganham e o jornalista perde.
Do lado do jornalista ou do lado da fonte, somos como viciados em pôquer: nem o jornalista pára de tentar enganar a fonte, nem a fonte desiste de enganar o jornalista.
Jornalistas ainda têm muito a melhorar. A cobertura política pode e deve ser aperfeiçoada. A democracia, jovem e imatura, explica parte dos problemas.
Outra parte, no entanto, depende exclusivamente de quem trabalha na área. E, claro, há a parte moralmente indefensável, mesmo quando prevalecem as melhores das intenções.
Sobre essa parte, muito pouco a se fazer.

Apenas o óbvio: admitir que a crítica de Malcolm é doída - mas absolutamente verdadeira.

Fonte: Jornal X - Blog do Jornalista Eduardo Horácio.