sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Tropa de Elite já é o filme mais visto e mais comentado da história do cinema brasileiro


Para ser qualificada de grande, uma obra de arte precisa estabelecer conexões profundas com as pessoas. Ao analisar o papel das tragédias teatrais, por exemplo, o filósofo grego Aristóteles concluiu que elas acabavam por purificar os espectadores quando lhes causavam sentimentos de terror e compaixão. Isso porque, depois de experimentá-los, as pessoas sairiam aliviadas, purgadas dos próprios pesadelos. Aristóteles chamou a isso catarse. O tipo de conexão proporcionado por Tropa de Elite, do diretor José Padilha, é de outra ordem. Trata-se de um grande filme justamente pelo contrário: ele não concede válvulas de escape ao retratar como a criminalidade degradou o país de alto a baixo. O pesadelo real ganha ainda mais nitidez. A sociedade brasileira, pelo jeito, ansiava por esse tapa na cara dado pelo capitão Nascimento, o policial interpretado magistralmente por Wagner Moura. Lançado há apenas duas semanas, Tropa de Elite já é o filme mais visto e comentado da história do cinema brasileiro. As salas de exibição lotam em todas as sessões e estima-se que mais de 11 milhões de pessoas tenham assistido ao filme em DVDs piratas que inundaram os camelôs de várias capitais do país (veja reportagem). Gírias policiais reproduzidas no filme e trechos de diálogos entre os personagens – como "pegou geral" e "01 pede pra sair" – tornaram-se bordões repetidos nas mais diversas situações.
O assunto da obra do diretor José Padilha é a guerra diuturna que a polícia carioca move contra os traficantes de drogas encastelados nos morros favelizados da cidade. Mais especificamente o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), a tropa de elite do título. O tráfico de drogas, o nervo mais exposto de um país em desordem e refém do medo (veja o quadro), é tema comum na cinematografia nacional recente. A diferença é que esse filme o aborda pondo os pingos nos is. Bandidos são bandidos, e não "vítimas da questão social". Há policiais corruptos, mas também muitos que são honestos. Se existem traficantes de cocaína e maconha, é porque há milhares de consumidores que os bancam. Muitos desses consumidores, aliás, são aqueles mesmos que fazem "passeatas pela paz" e compactuam com a bandidagem para abrir ONGs em favelas. Por último, a brutalidade de alguns policiais pode ser explicada pelo grau de penúria e abandono que o estado lhes reserva.
Ditas de maneira tão simples, essas verdades parecem de uma obviedade ululante. E são. Mas o Brasil, infelizmente, é um país de idéias fora do lugar por causa da afecção ideológica esquerdista que inverte papéis, transformando criminosos em mocinhos e mocinhos em criminosos. Aqui, a "questão social" é justificativa para roubos, assassinatos e toda sorte de crime e contravenção – mesmo quando praticados por quadrilhas especializadas, compostas por integrantes que nada têm de coitadinhos. O apresentador Luciano Huck que o diga. Dois ladrões roubaram-lhe um relógio caro em São Paulo e ele, indignado, atreveu-se a escrever um artigo no jornal Folha de S. Paulo para reclamar da falta de segurança. Por ser um homem rico, da elite, Huck sofre um linchamento moral. Há até quem pergunte se ele "mereceu ser roubado". Existe quem mereça? Tentaram fazer o mesmo com Tropa de Elite. Os ideólogos que o rotularam de "fascista" viram-se, porém, obrigados a dobrar-se ao sucesso do filme. Na semana passada, a pedido de VEJA, o instituto Vox Populi realizou uma pesquisa para medir o impacto de Tropa de Elite nos espectadores. Os resultados indicam por que o filme é arrebatador. Na opinião de 72% dos entrevistados, os criminosos que aparecem no filme são tratados como merecem. Quase 80% deles concordam que a polícia é apresentada com fidelidade – ou seja, tem uma banda podre e uma banda boa. Tropa de Elite agrada também por abordar a responsabilidade dos usuários de drogas sem meias palavras. O capitão Nascimento diz que o "playboy" que fuma um cigarro de maconha é o responsável pela morte de um traficante abatido pelo Bope. A afirmação encontra eco na população. Para 85% dos espectadores, o raciocínio do capitão Nascimento está correto. O policial vivido por Wagner Moura ganhou enorme popularidade, mas isso não significa que todas as pessoas enxerguem num Rambo a solução para problema tão complexo como o da criminalidade. Na opinião de 53% dos entrevistados, o capitão é um herói, mas 43% rejeitam essa idéia, embora o vejam com relativa simpatia. As características do personagem ajudam a explicar tal divisão. Nascimento é um ser humano devastado. Sofre de síndrome do pânico, consome vorazmente remédios de tarja preta e suas explosões freqüentemente resultam em ações que extrapolam o manual do Bope.
Na pesquisa encomendada por VEJA, chama atenção o fato de 51% dos espectadores desaprovarem a tortura como um meio de extrair confissões de criminosos. É uma maioria pequena – 47% aprovam esse método desumano –, mas que aponta no sentido da civilização. Seria até de esperar que o desespero dos brasileiros em relação à segurança se traduzisse numa proporção ainda mais larga de pessoas adeptas da tortura policial. É bom que se diga: em nenhum momento, Tropa de Elite legitima o uso da tortura, o que seria deplorável. Apenas mostra como o descaso e a barbárie podem animalizar agentes da lei. "Como está dito no filme, o policial tem três escolhas: ou ele se corrompe, ou se omite ou vai para a guerra", afirma o diretor José Padilha. O Brasil só tem duas escolhas: ou derrota os criminosos ou é derrotado por eles. Pela acolhida que o filme está recebendo, os brasileiros não têm a menor dúvida do caminho a seguir.

Revista Veja - Edição 2030